Sou Cultura viva, pulsando no compasso da bateria! Sou sangue do gigante Brasil!

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segunda-feira, 4 de maio de 2020

As Histórias Não Contadas!


Nos últimos anos, especialmente em 2019, através do enredo "História para ninar gente grande", da escola de samba Estação Primeira de Mangueira, do grupo especial do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, temos visto um movimento de resgate de partes da história do Brasil e de personagens até então desconhecidos da maior parte da população. 

Naquele enredo, a escola trouxe à luz personagens esquecidos da história nacional como Tereza de Benguela, Aqualtune, Dandara, Cunhambebe, Luísa Mahin, José Piolho, Esperança Garcia, Acotirene e tantos outros que escreveram páginas muito destacadas de nossa (sim, nossa, brasileira) história, e que oportunamente merecerão uma postagem exclusiva neste blog visto que o desfile citado engloba boa parte dos princípios que inspiraram a criação deste blog. 
Pois bem, muitos destes personagens permanecem apenas nas memórias dos ancestrais e na história oral de recantos do nosso país. Faz muito bem à cultura de qualquer país que deseja desenvolvimento, profundo conhecimento sobre sua própria história e, sobretudo, valorização dos personagens que fizeram parte desta. Para além deste enredo, que por se tratar de uma das maiores escolas de samba, gerou muita repercussão, inclusive o título do carnaval, diversas outras escolas em variadas ocasiões lançaram olhar sobre fatos de nossa história de formas diferentes do usual.
Hoje, buscamos o desfile de 2003 da escola de samba Caprichosos de Pilares. Atualmente, após 2 anos de inatividade, a Caprichosos desfilou em 2020 pelo grupo de acesso da Intendente Magalhães, uma espécie de 4ª divisão do carnaval carioca. Porém, em 2003 desfilava no grupo de elite das escolas de samba e alcançou o 10º lugar naquele ano.
 Uma escola muito tradicional, fundada em 1949 e que fez desfiles marcantes como o enredo "Saudade" de 1985. Voltando ao tema principal da postagem, em 2003 a escola trouxe o enredo "Zumbi, rei de Palmares e Herói do Brasil. A história que não foi contada", onde contextualiza o momento europeu que levou ao período chamado de grandes navegações até o florescimento do Quilombo de Palmares e a liderança de Zumbi.
Como o nome do enredo diz, essa história, por completo, não é costumeiramente contada se levarmos em conta a historiografia tradicional ensinada nas escolas, em que a citação a Zumbi em muitas ocasiões nem mesmo aparece e quando muito, oferece apenas a designação de líder do quilombo. 
Inicialmente vamos à letra do Samba de Enredo, composto por Carlos Ortiz, Cláudia Nel, Alberto Capital e Mestre Augusto e o saudoso intérprete Jackson Martins: 

ÁFRICA
DOS GUERREIROS DE ANGOLA, GEGE E YORUBÁ
NA ESCRAVIDÃO, QUE AGONIA
AI, COMO O NEGRO SOFRIA
NO DESTINO DE ALÉM-MAR
 
O EUROPEU NO TROCA-TROCA CONSEGUIU
LEVAR AS "PEÇAS DA GUINÉ" PARA O BRASIL
NESSE COMÉRCIO, A PIRATARIA SURGIU

ILU-AYÊ, ILU-AYÊ, UM CANTO TRISTE ECOOU Ô Ô
ILU-AYÊ Ô, NA SENZALA, SOFRIMENTO E DOR

VEJA, IFÁ FALOU
QUE OS ORIXÁS VÃO ENVIAR UM LIBERTADOR
CANTA PILARES
ZUMBI FOI REI LÁ NO QUILOMBO DOS PALMARES
 
NA CULTURA O NEGRO SE AGIGANTA
A FÉ DA "TERRA MÃE" É SEU ALENTO
EXISTE UM GRITO PRESO NA GARGANTA
SÓ OXALÁ SEGURA O FIO DA ESPERANÇA
 
QUERO SER LIVRE
ESSE LAMENTO RESSOOU NA SOCIEDADE
QUE TEM AS CHAVES
MAS PRENDE SEUS HERÓIS NA MARGINALIDADE
 
VI NOS OLHOS VERDES DO HOLANDÊS OUTRO PAÍS
CAIU PALMARES, LIBERDADE NÃO SE MATA NA RAIZ
 
NO BATUQUE BATERIA, SOU ZUMBI
ONDE HÁ PAZ E ALEGRIA, EU TÔ AI
QUERO AMOR E MUITO MAIS DIGNIDADE
A CAPRICHOSOS LUTA PELA IGUALDADE

Vamos ao dicionário do samba, esclarecer algumas expressões ou nomes citados:
Gege e Yorubá são tribos africanas
Peças da Guiné é a forma como eram chamados os escravizados
Ilu-Ayê é uma saudação á terra mãe, terra da vida, saudade da África
Ifá seria uma espécie de oráculo que orienta aqueles que tem dúvidas
Oxalá seria uma divindade responsável pela criação universal


 Destacamos aqui um trecho do samba que reforça a ideia de resgate de personagens esquecidos da nossa história, qual seja: 

"QUERO SER LIVRE
ESSE LAMENTO RESSOOU NA SOCIEDADE
QUE TEM AS CHAVES
MAS PRENDE SEUS HERÓIS NA MARGINALIDADE"

 O carnavalesco Jaime Cezário, autor do enredo, baseado no livro de Eduardo Fonseca Júnior, organizou a sinopse como segue abaixo:   


SINOPSE DO ENREDO
  
Abertura:

No final do século XVI, na África ocidental, Impérios Tribais floresciam e impunham respeito pela força dos seus exércitos de guerreiros, o Rei (Oba) era cercado por uma guarda especial, cuja função era defender a sobrevivência do clã representado pelo monarca e garantir a sucessão ao trono. Esta sociedade era composta por generais e oficiais e exerciam o controle direto sobre o povo

1ºSetor: A África Imperial e a falência das Monarquias Européias.

No final século XV a Europa atravessa uma grave crise econômica acelerada pelo fechamento por terra do acesso às especiarias do oriente. Numa falência iminente, os reinos de Portugal e Espanha iniciam o período das Grandes Navegações, numa tentativa de descobrir pelo mar o caminho marítimo para as Índias. Era a política do “navegar é preciso”. Nessa aventura náutica encontram novas terras que vieram a ser chamadas de Novo Mundo e nele o Brasil.

Na costa da África ocidental se deparam com Impérios Tribais organizados e tremendamente belicosos. Eram os Impérios Tribais Yoruba, Gêge e Angola ou Congo que ao longo do litoral africano se subdividiam em inúmeras sociedades estabelecidas em cidades fortificadas, extremamente bem protegidas. Portugal e Espanha após um longo namoro diplomático conseguem estabelecer entrepostos comercias para obter produtos como ouro e marfim em troca de rum, folhas de fumo, tecido e, barras de ferro europeu.
Portugal com a colonização do Brasil, necessitava de mão de obra farta e barata para trabalhar na lavoura da cana de açúcar. Então, resolve adotar uma prática já muito conhecida dos europeus: a escravidão. Na sociedade africana a escravidão também era praticada com os derrotados em guerras tribais, mas o escravo na África tinha alguns direitos e podia se tornar até um membro da família à qual pertencia. Para o europeu os escravos eram considerados objetos e receberam inicialmente o nome de “peças da Guiné” . Os primeiros escravos a serem enviados para o Brasil foram solicitados para trabalhar no Colégio Jesuíta da Bahia.


2º Setor: O Degredo e a Diplomacia.

O sucesso do sistema Mercantilista utilizado por Portugal e Espanha origina um novo enriquecimento dessas monarquias, conseqüência do açúcar produzido em suas colônias no Novo Mundo e pela mão de obra escrava. Com isso intensifica-se cada vez mais o tráfico. Para o Brasil viram mais de 10 milhões de negros africanos sendo transportados pelos famosos navios negreiros. Este sucesso chama a atenção de outras monarquias como Inglaterra e França, que entram nesse comércio através do uso da pirataria, negociando diretamente com reis africanos que eram vinculados ao sistema de cooperação luso-espanhol. Eles utilizam o sistema dos “Piratas Proscritos” que apesar de pertencerem a estas duas monarquias utilizavam a bandeira pirata para fazer o comercio entre África e as colônias do Novo Mundo. O namoro diplomático entre as monarquias européias e os reis africanos era devido à intimidação imposta através dos grandes exércitos de guerreiros que cada império tribal possuía para proteção de suas cidades e seu povo.


3º Setor: Dor e Liberdade!

A liberdade se transforma em dor e sofrimento nos canaviais e senzalas. Tribos que eram inimigas na África se unem pela dor no Brasil.Os escravos eram oriundos de guerras intertribais e os perdedores eram escravizados e vendidos aos europeus para trabalharem na cultura da cana de açúcar. O sofrimento se transforma num triste canto, onde os negros imploram aos seus deuses e orixás que enviem um Herói libertador!

Do louvor à realidade, surge em Alagoas, na região conhecida como Serra da Barriga, o reduto sonhado: Palmares!

Palmares era a realização do sonho do negro escravizado! Palmares era a terra da Liberdade!

No comando estava Zumbi, que planta no coração da Colônia Portuguesa um reduto de homens livres! Palmares abrigava além do negro, brancos perseguidos e índios massacrados. A liberdade se transformou em Zumbi, e ele faz novamente o negro sonhar!


4º Setor: A Religião da Mãe África é preservada.

A predestinação deste lugar e seu líder fazem preservar a cultura e a religião dos seus ancestrais. Através de seu Sumo Sacerdote Bambushê Adinomodo, preparam-se homens e mulheres e perpetuam nesta terra, as religiões da Mãe África. Os ritos Yorubá-nagô, Gêge e Angola/Congo são ensinados e fizeram de Palmares um marco na preservação da cultura religiosa africana.


5º Setor: Heróis do Povo e Marginais para a História Oficial.

Muitos nesta terra eram a favor da causa de Zumbi e o sonho de Palmares. Assim foi Isaac Abuab da Fonseca, o primeiro Rabino do Brasil, que fez de sua sinagoga em Recife, uma verdadeira embaixada de Palmares. Sensível à causa dos negros escravizados, torna-se uma espécie de conselheiro nas questões referentes ao português colonizador.
Outro forte pilar da causa de Zumbi era o pirata pluvial conhecido como “Cabeleira” ou “O Boto” . Ele aterrorizava os entrepostos comerciais portugueses. Saqueava-os e distribuía o fruto desses saques às comunidades pobres, aldeias indígenas e quilombos. Este bravo homem lutou junto a Zumbi em inúmeros momentos contra os portugueses.


6º Setor: O Holandês dos Olhos Verdes.

A Invasão e o domínio holandês no nordeste brasileiro (1630 a 1654), faz do fidalgo holandês Maurício de Nassau um capítulo à parte em relação a Palmares. Homem de rara inteligência e visão apaixonou-se pelo Brasil e o fruto disto, foi um momento de rara prosperidade da colônia holandesa comandada por ele. Nassau sonha em transformar o nordeste brasileiro no Império Maurício e fazer de Recife sua capital. Estabeleceu um contato diplomático com o Quilombo que ficou conhecido como Período Holandês de Palmares. Negociava abertamente com os habitantes que vendiam suas produções agrícolas para a Colônia Holandesa, e tinham livre acesso às cidades por eles dominadas. Problemas políticos com a Holanda fizeram o fidalgo holandês pedir demissão do cargo. Sua saída acelera a venda em surdina da colônia holandesa para Portugal, por oito toneladas de ouro brasileiro.


7º Setor: Zumbi esta vivo!

Com a retomada do controle da Capitania de Pernambuco, os portugueses começam a preparação dos planos para a destruição total de Palmares, apesar de nesse período ter-se proposto um tratado de paz entre Palmares e portugueses, que ficou conhecido como “Paz dos Brancos” . Na realidade, era uma tentativa de enganar Zumbi e seus homens.

Os portugueses dão sua cartada final sob o comando do bandeirante Domingos Jorge Velho. Com um exército de mais de cinco mil homens fortemente armados, conseguem, após cinco anos de sítio, vencer os bravos guerreiros e destruir o último quilombo.

Seria o final do sonho de Zumbi e seu povo?

Com certeza não, pois o que Zumbi nos deixou como legado é muito maior do que os portugueses poderiam supor naquele momento. Zumbi nos faz entender que liberdade não é um favor e dignidade é uma condição necessária para qualquer pessoa ser chamada de Povo e um território de Nação!

Palmares viveu na colônia portuguesa por 85 anos, um marco mundial de luta pela dignidade humana!

Zumbi é a liderança que necessita ser resgatada para o povo brasileiro na reconquista do orgulho nacional!

Zumbi não morrerá nunca, pois Zumbi é liberdade! E liberdade não se mata!


8ºSetor: Os frutos de Palmares!

A mensagem deixada por Zumbi ecoou e continuará ecoando forte por nossas terras. A exemplo disso, temos o surgimento de outros movimentos que como Palmares, se basearam na luta pela liberdade: a Balaiada no Maranhão, a Revolta dos Malês na Bahia e a Confederação do Equador em Pernambuco. Esses movimentos se fortificaram a partir do legado deixado por este grande Herói Negro. Suas sementes germinaram e seus frutos continuam a serem colhidos, pois a luta pela dignidade e cidadania precisa continua.

O que Zumbi plantou nesta terra foi o amor e respeito ao homem simples

O Brasil de Zumbi ainda não se realizou, mas a lição foi bem dada por este símbolo da dignidade humana. O resto que falta, cabe a nós fazermos!

A Caprichosos de Pilares convida o povo brasileiro para, através deste enredo, fazer uma reflexão em nome da cidadania, e com isso, espera conseguir motivar a luta pelo social, pela igualdade, pela paz e pelo amor,

Jaime Cezário
Carnavalesco e Autor do Enredo
Enredo baseado no Livro: Zumbi dos Palmares. A História do Brasil que não foi contada.
Autoria: Eduardo Fonseca Junior


Ao defender um resgate de personagens marcantes da história nacional cabe salientar que o Brasil é um país jovem, de pouco mais de 100 anos desde a proclamação de sua República. Obviamente muito antes da chegada dos europeus aqui já habitavam milhões de indígenas cujo esquecimento é notório em relação ao conhecimento popular. Se fizermos uma pesquisa básica veremos que para a maioria da população nossa história inicia em 1500. 
 
 Zumbi nos faz entender que liberdade não é um favor e dignidade é uma condição necessária para qualquer pessoa ser chamada de Povo e um território de Nação!

Justifica-se a necessidade de voltarmos a atenção para nossa história uma vez que uma nação necessita conhecer suas raízes e valorizá-las sob pena de não se reconhecer perante o espelho do tempo. Em tempos como os atuais, onde busca-se desesperadamente por referências de liderança, Zumbi é território farto para busca de inspiração. 

 Zumbi é a liderança que necessita ser resgatada para o povo brasileiro na reconquista do orgulho nacional!

Como este blog sempre defendeu, o desfile das escolas de samba presta um serviço cultural dos mais valiosos à nação no que diz respeito justamente ao resgate de nossa história, pois se trata do maior evento cultural genuinamente brasileiro.
E diante disso, muito do que é dito ou sublinhado nos desfiles, representa muito para a construção de um imaginário nacional exemplar, fonte de inspiração na construção da nação que tanto sonhamos e de que necessitamos.  


A Caprichosos de Pilares convida o povo brasileiro para, através deste enredo, fazer uma reflexão em nome da cidadania, e com isso, espera conseguir motivar a luta pelo social, pela igualdade, pela paz e pelo amor,

Esse desejo da Caprichosos imaginamos que continue vivo atualmente. E depois de 17 anos deste enredo ele segue sendo atual. Infelizmente seguimos dando as costas para nossa própria história e inclusive ultimamente para nossa cultura. Aí reside um grande perigo.
Ainda é tempo Brasil, aliás, sempre é tempo de recomeçar!

 
 Para finalizar, acompanhe o desfile da Caprichosos em 2003!
Até a próxima!
 

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Liberdade é a palavra do momento!

"Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, 
não há ninguém que explique e ninguém que não entenda". 
Assim, Cecília Meireles falou da liberdade. E por que motivo inicio essa postagem com essa palavra?  Simplesmente por que desde que me conheço por gente, sinto-me livre quando ouço samba de enredo, quando perco a hora ouvindo, vendo desfiles, analisando as letras, repetindo 4, 6, 10, 20 vezes o mesmo samba até decorar por inteiro. 
A liberdade é o terreno onde todos gostariam de fixar raiz e atualmente, infelizmente, um item que vem custando caro para muitos. Mas depois de muito tempo sem conseguir um tempo livre para atualizar as postagens, hoje, finalmente marquei na agenda e qual não foi a minha surpresa quando ao abrir a página do blog, vejo que este humilde canal de valorização da cultura nacional e da história, atingiu a marca de 100000 visualizações!

Sinto-me muito feliz em ver que sempre existe alguém entrando na página, lendo, compreendendo, surpreendendo-se e aprendendo um pouquinho mais sobre essa festa genuinamente nacional e única no planeta.  O objetivo sempre foi marcar essa festa como brasileira de raiz e mostrar que existe muito conteúdo por trás dos enredos, muita história.
Aproveitando essa marca alcançada, seguem os logotipos dos enredos das escolas de samba do Grupo Especial do Carnaval do Rio de Janeiro...












  
Os enredos para 2020 mandam recados muito claros e de maneiras bem diversas. Mas como iniciamos falando em liberdade, assim também finalizamos. Essas agremiações ao longo do tempo sempre utilizaram seus desfiles para deixar claras algumas questões e levantar debates sobre temas que muitas vezes passam despercebidos no cotidiano. 
Assim seguem as Escolas de Samba, Escolas de Liberdade, ensinando o Brasil lições que ele teima em não aprender!
Vida longa ao CARNAVAL!

domingo, 18 de novembro de 2018

Obrigado MANGUEIRA !!!!!!

Este espaço surgiu com o desejo de entrelaçar os conhecimentos históricos com a maior manifestação cultural do Brasil, original do nosso país, sem cópia enlatada. O maior espetáculo da terra é o ar que respiro há muito anos, cantarolando no carro, mentalmente, nas redes sociais, trechos de sambas que inexplicavelmente me fazem arrepiar, relembrar, sentir estar em outro lugar. 
Este espaço hoje vem agradecer por uma tradução dessa relação sonhada, entre história e carnaval, levada à cabo pela Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira para o carnaval 2019. O enredo "História para ninar gente grande", de autoria do carnavalesco Leandro Vieira, é a perfeita tradução do que imaginei ao criar este espaço.
Crédito do logo: Igor Matos
A sinopse do enredo, peça produzida para explicar o enredo e nortear os compositores do samba, é perfeita, por esse motivo publico ela integralmente: 

Sinopse da Estação Primeira de Mangueira para 2019:

HISTÓRIA PRA NINAR GENTE GRANDE é um olhar possível para a história do Brasil. Uma narrativa baseada nas “páginas ausentes”. Se a história oficial é uma sucessão de versões dos fatos, o enredo que proponho é uma “outra versão”. Com um povo chegado a novelas, romances, mocinhos, bandidos, reis, descobridores e princesas, a história do Brasil foi transformada em uma espécie de partida de futebol na qual preferimos “torcer” para quem “ganhou”. Esquecemos, porém, que na torcida pelo vitorioso, os vencidos fomos nós.

 Ao dizer que o Brasil foi descoberto e não dominado e saqueado; ao dar contorno heroico aos feitos que, na realidade, roubaram o protagonismo do povo brasileiro; ao selecionar heróis "dignos" de serem eternizados em forma de estátuas; ao propagar o mito do povo pacífico, ensinando que as conquistas são fruto da concessão de uma “princesa” e não do resultado de muitas lutas, conta-se uma história na qual as páginas escolhidas o ninam na infância para que, quando gente grande, você continue em sono profundo.

 De forma geral, a predominância das versões históricas mais bem-sucedidas está associada à consagração de versões elitizadas, no geral, escrita pelos detentores do prestígio econômico, político, militar e educacional - valendo lembrar que o domínio da escrita durante período considerável foi quase que uma exclusividade das elites – e, por consequência natural, é esta a versão que determina no imaginário nacional a memória coletiva dos fatos.

 Não à toa o termo “DESCOBRIMENTO” ainda é recorrente quando, na verdade, a chegada de Cabral às terras brasileiras representou o início de uma “CONQUISTA”. E, ao ser ensinado que foi “descoberto” e não “conquistado”, o senso coletivo da “nação” jamais foi capaz de se interessar ou dar o devido valor à cultura indígena, associando-a “a programas de gosto duvidoso” ou comportamentos inadequados vistos como “vergonhosos”.

 Comemoramos 500 anos de Brasil sem refazermos as contas que apontam para os mais de 11.000 anos de ocupação amazônica, para os mais de 8.000 anos da cerâmica mais antiga do continente, ou ainda, sem olhar para a civilização marajoara datada do início da era Cristã. Somos brasileiros há cerca de 12.000 anos, mas insistimos em ter pouco mais de 500, crendo que o índio, derrotado em suas guerras, é o sinônimo de um país atrasado, refletindo o descaso com que é tratada a história e as questões indígenas do Brasil. Não fizeram de CUNHAMBEMBE – a liderança tupinambá responsável pela organização da resistência dos Tamoios – um monumento de bronze. Os índios CARIRIS que se organizaram em uma CONFEDERAÇÃO foram chamados de BÁRBAROS.  Os nomes dos CABOCLOS que lutaram no DOIS DE JULHO foram esquecidos. Os Índios, no Brasil da narrativa histórica que é transmitida ainda hoje, deixaram como “legado” cinco ou seis lendas, a mandioca, o balanço da rede, o tal do “caju”, do “tatu” e a “peteca”.

Levando em conta apenas pouco mais de 500 anos, a narrativa tradicional escolheu seus heróis, selecionou os feitos bravios, ergueu monumentos, batizou ruas e avenidas, e assim, entre o “quem ganhou e quem perdeu”, ficamos com quem “ganhou.” Índios, negros, mulatos e pobres não viraram estátua. Seus nomes não estão nas provas escolares. Não são opções para marcar “x” nas questões de múltiplas escolhas.
 Deram vez a outros. Outros que, por certo, já caíram nas suas “provas”. Você aprendeu  que os “BANDEIRANTES” – assassinos e saqueadores – eram os “bravos desbravadores que expandiram as fronteiras do território nacional”. DOM PEDRO, o primeiro, você “decorou”  que era o “herói” da Independência, sem que as páginas dos livros contassem a “camaradagem” de um “negócio de família” tão bem traduzido pela frase do PAI do Imperador, que a ele orientou: “ponha a coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça”. Convém esclarecer aqui que os “aventureiros” citados por DOM JOÃO éramos nós, brasileiros, e que a “independência” proclamada – ou programada - foi para evitar que tivéssemos aqui “aventureiros” como Bolivar ou San Martin, patriarcas bem-sucedidos das “independências” que não queriam por aqui.

 Como “CABRAL”, o “ladrão”, que roubou o Brasil lá pelas bandas de mil e quinhentos, ou PEDRO I, que através de um acordo “mudou duas ou três coisas para que tudo ficasse da mesma forma”, tem também o Marechal, o DEODORO DA FONSECA, homem de convicções monarquistas – amigo pessoal do Imperador PEDRO II – autor da proclamação de uma República continuísta - sem participação popular - traduzida em golpe e que, na ausência de líderes, mandou “pintar” um retrato do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o TIRADENTES, na tentativa de produzir “um personagem pra chamar de seu”.

 Se a República foi “golpe”, conclui-se que “golpe” no Brasil não é novidade. Nem é novidade que a natureza dos “golpes” ainda estejam mal contadas. A rodovia CASTELO BRANCO “corta” São Paulo com “nome de batismo” em homenagem ao primeiro general “do GOLPE DE 1964”. Para cruzar a Baía da Guanabara em direção a Niterói, lá está a ponte PRESIDENTE COSTA E SILVA, o mesmo que fechou o Congresso Nacional e aditou o AI-5 suspendendo todas as liberdades democráticas e direitos constitucionais. Em Sergipe, em dias de jogos, a bola rola no estádio PRESIDENTE MÉDICI, o general dos “ANOS DE CHUMBO”, do uso sistemático da tortura e dos violentos assassinatos. Nas ruas - por terem lido um livro que “ninou” e não “ensinou” falando da suspensão dos direitos humanos, da corrupção e dos assassinatos  cometidos no período – aparecem faixas para pedir “intervenção militar”, décadas depois da redemocratização.
 Sem saber quem somos, vamos a “toque de gado” esperando “alguém pra fazer a história no nosso lugar”, quiçá uma “princesa”, como a ISABEL, a redentora, que levou a “glória” de colocar fim ao mais tardio término de escravidão das Américas. Nunca esperaremos ser salvos pelos tipos populares que não foram para os livros.  Se “heróis são símbolos poderosos, encarnações de ideias e aspirações, pontos de referências, fulcros de identificação” a construção de uma narrativa histórica elitista e eurocêntrica jamais concederia a líderes populares negros uma participação definitiva na abolição oficial. Bem mais “exemplar” a princesa conceder a liberdade do que incluir nos livros escolares o nome de uma “realeza” na qual ZUMBI, DANDARA, LUIZA MAHIN, MARIA FELIPA assumissem seu real papel na história da liberdade no Brasil.

 O fato é que a atuação de “gente comum”, ou mesmo a incansável luta negra organizada em quilombos, em fugas, no esforço pessoal ou coletivo na compra de alforrias e em revoltas ou conspirações, já enfraqueciam o sistema escravocrata àquela altura. Entretanto, ensinar na escola o nome de “CHICO DA MATILDE”, jangadeiro, mulato pobre do Ceará (líder da greve que colocou fim ao embarque de escravos no estado nordestino, levando-o à abolição da escravatura quatro anos antes da princesa ganhar sua “fama” abolicionista) não serviria à manutenção da premissa de que as conquistas sociais resultam de concessões vindas "do alto" e não das lutas. A história de CHICO DA MATILDE era inspiradora demais para o povo. Não à toa, seu nome não está nos livros.

 Esses nomes não serviram para eles. Para nós, eles servem. Para nós, sentinelas dos “ais” do Brasil, heróis de lutas sem glórias ainda deixados “de tanga” ou preso aos “grilhões”, eles são as ideias que usaremos para “gestar” o que virá. “Engravidados” de novas ideias, jorrará leite novo para “amamentar” os guris que virão. Sabendo outra versão de quem é o Brasil, - não a que nos “ninou” para quando fôssemos adultos – sabendo que CABRAL “invadiu” e que, ao invés de quinhentos e dezenove anos, somos brasileiros há quase doze mil anos. Conhecendo CUNHAMBEBE, a CONFEDERAÇÃO DOS CARIRIS, cientes da participação dos CABOCLOS na luta do 02 DE JULHO NA BAHIA, e sabendo que os índios lutaram e resistiram por mais de meio século de dominação, talvez se orgulhem da porção de sangue que faz de TODOS NÓS, sem exceção, índios.  Sabendo que a “bondosa” princesa Isabel deu vez a “Chico da Matilde”, “Luiza Mahin” e “Maria Felipa”, é possível que reconheçam em si a bravura que vive à espreita da hora de despertar e aí, talvez, o “gigante desperte sem ser para se distrair com a TV”.

 Cientes de que nossa história é de luta, teremos orgulho do Brasil. Alimentados de leite novo e bom, varreremos de nossos “porões” o complexo de “vira-latas” que fomenta nossa crença de inferioridade.  Veremos tanta beleza na escultura de ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA quanto no quadro que eterniza o sorriso da Monalisa. Nos orgulharemos do “tupi” que falamos – mesmo sem saber. Daremos mais cartaz ao saci do que à “bruxa”. Brincaremos mais de BUMBA MEU BOI, CIRANDA E REISADO. Nossas crianças enxergarão tanta coragem no CANGACEIRO quanto no “cowboy”. Vibraremos quando SUASSUNA estrear em “ROLIÚDE” sem tradução para o SOTAQUE de João Grilo e Chicó. Não estranharemos caso o  Mickey suba a ESTAÇÃO PRIMEIRA, troque "my love" por "minha nêga" e mande pintar o "parquinho" da Disney com o VERDE E O ROSA DA MANGUEIRA.
POR LEANDRO VIEIRA

Sem mais palavras, apenas OBRIGADO ESTAÇÃO PRIMEIRA DE MANGUEIRA!!!!!

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

#ELESEMPRE - O Carnaval é o BRASIL!

Os desfiles das escolas de samba no ano de 2018, especialmente no Rio de Janeiro demonstraram o alto grau de compreensão da realidade e a capacidade de crítica, análise e comunicação com o clamor das ruas em nosso Brasil.
Vamos fazer uma pequena retrospectiva dos desfiles mais impactantes de 2018 no grupo especial do carnaval do Rio de Janeiro. 

Vamos utilizar como referência a ordem de classificação das escolas. Dessa forma, iniciamos com o enredo da Beija-Flor de Nilópolis, que levou para a avenida o enredo "Monstro é aquele que não sabe amar - Os filhos abandonados da Pátria que os pariu!". Demonstrando uma estética bem diferente do seu estilo, mostrando a modernização da escola, fechou o desfile do grupo especial com fortes críticas ao momento atual que vive o Brasil, mergulhado em denúncias de corrupção e aprofundando o descaso com os assuntos mais doloridos à população, como Educação, Saúde, Segurança, etc.
Vejamos inicialmente a Letra do Samba: 

Oh pátria amada, por onde andarás?
Seus filhos já não aguentam mais!
Você que não soube cuidar
Você que negou o amor
Vem aprender na Beija-Flor

Sou eu, espelho da lendária criatura
Um monstro carente de amor e de ternura
O alvo na mira do desprezo e da segregação
Do pai que renegou a criação
Refém da intolerância dessa gente
Retalhos do meu próprio Criador
Julgado pela força da ambição
Sigo carregando a minha cruz
À procura de uma luz, a salvação!

Estenda a mão, meu senhor
Pois não entendo tua fé
Se ofereces com amor
Me alimento de axé
Me chamas tanto de irmão
E me abandonas ao léu
Troca um pedaço de pão
Por um pedaço de céu

Ganância veste terno e gravata
Onde a esperança sucumbiu
Vejo a liberdade aprisionada
Teu livro eu não sei ler, Brasil!
Mas o samba faz
Essa dor dentro do peito ir embora
Feito um arrastão de alegria e emoção, o pranto rola
Meu canto é resistência
No ecoar de um tambor
Vem ver brilhar
Mais um menino que você abandonou

Ao longo do desfile nosso país foi revelado em suas faces mais perversas: 
Abre-alas representando os centros de poder do país como Senado, Câmara dos Deputados, Palácio do Planalto e Sede da Petrobrás. Na base, o rato simbolizando as relações sujas e subterrâneas que permeiam o poder no Brasil. 
Em cada Cubo, cenas da realidade que sofrem o efeito dessa sujeira nacional. 




Educação, Segurança, Impostos elevados, corruptos em todos os campos, inclusive nos gramados, onde a violência também campeia. Cenas do cotidiano brasileiro!
Porém, da mesma forma em que a realidade nos traz a desesperança, o samba faz o serviço inverso, como na própria letra do samba. 

As escolas de samba realizam diversos projetos sociais em suas comunidades, buscando ocupar os espaços em que os governos não atuam. Dessa forma, construíram o maior espetáculo do planeta, o desfile das escolas de samba, produto genuinamente brasileiro e dessa forma permitem que aqueles que nunca são vistos no dia a dia, tenham noites de reis, rainhas, artistas geniais em suas artes.

Na sequência o assunto mais comentado do carnaval 2018, a até então "pequena" Paraíso do Tuiuti, encantou e representou o sentimento nacional quando bradou o grito de liberdade na Sapucaí. Com o enredo "Meu Deus, Meu Deus, está extinta a escravidão?" e um samba antológico, rasgou a avenida alcançado o inédito segundo lugar no grupo especial, feito maior da escola em sua história. Para muitos, merecedora do título.

Através de um enredo de leitura plástica muito fácil, atraiu o público e com o samba forte e já conhecido antes mesmo do desfile pelo reconhecimento de seu significado na realidade, cutucou forte em temas sensíveis dos últimos anos como a reforma trabalhista, previdenciária, manifestações populares nas ruas contra os governos, etc. O samba enredo já consta nas listas de analistas como um dos grandes da história do carnaval carioca:

Não sou escravo de nenhum senhor
Meu Paraíso é meu bastião
Meu Tuiuti, o quilombo da favela
É sentinela na libertação

Irmão de olho claro ou da Guiné
Qual será o seu valor? Pobre artigo de mercado
Senhor, eu não tenho a sua fé, e nem tenho a sua cor
Tenho sangue avermelhado
O mesmo que escorre da ferida
Mostra que a vida se lamenta por nós dois
Mas falta em seu peito um coração
Ao me dar a escravidão e um prato de feijão com arroz

Eu fui mandiga, cambinda, haussá
Fui um Rei Egbá preso na corrente
Sofri nos braços de um capataz
Morri nos canaviais onde se plantava gente

Ê, Calunga, ê! Ê, Calunga!
Preto Velho me contou, Preto Velho me contou
Onde mora a Senhora Liberdade
Não tem ferro nem feitor

Ê, Calunga
Preto Velho me contou
Onde mora a Senhora Liberdade
Não tem ferro nem feitor

Amparo do Rosário ao negro Benedito
Um grito feito pele do tambor
Deu no noticiário, com lágrimas escrito
Um rito, uma luta, um homem de cor

E assim, quando a lei foi assinada
Uma lua atordoada assistiu fogos no céu
Áurea feito o ouro da bandeira
Fui rezar na cachoeira contra a bondade cruel

Meu Deus! Meu Deus!
Se eu chorar, não leve a mal
Pela luz do candeeiro
Liberte o cativeiro social

Meu Deus! Meu Deus!
Se eu chorar, não leve a mal
Pela luz do candeeiro
Liberte o cativeiro social

Para uma escola vista como "pequena" pela crítica, o resultado obtido foi além das expectativas. Porém, para quem já acompanha os desfiles há mais tempo e não somente do grupo especial, pode observar que a escola já vem tratando de temas relevantes com enredos muito bem elaborados há muitos anos. 

A Comissão de frente foi uma das sensações da escola.

 O presidente da república caracterizado como vampiro, sugando dinheiro e direitos.
As reformas trabalhista e previdenciária também foram alvo de críticas. 

Uma das alas mais emblemáticas foi a dos "manifestoches", fazendo referência aos manifestantes que saíram à rua contra o governo vestindo camisetas da seleção e fazendo panelaços durante falas da então presidente Dilma Roussef. A ala mostrava os mesmos sendo controlados por uma mão não identificada dando a entender que haviam interesses por trás dessas manifestações. 
Um desfile que ficará marcado na história como um dos mais significativos. 

Ainda em 2018 tivemos momentos importantes nos desfiles como o exemplo da Estação Primeira de Mangueira, que com poucos recursos, investiu no samba no pé aliada à crítica forte à falta de apoio das autoridades municipais aos desfiles das escolas de samba, que geram muito retorno turístico e financeiro à cidade. Eis um trecho do desfile, que parece fazer referência ao prefeito da cidade do Rio de Janeiro, muito ligado à uma igreja:

"O morro desnudo e sem vaidade
Sambando na cara da sociedade
Levanta o tapete e sacode a poeira
Pois ninguém vai calar a Estação Primeira
Se faltar fantasia alegria há de sobrar
Bate na lata pro povo sambar
Eu sou Mangueira meu senhor, não me leve a mal
Pecado é não brincar o carnaval!"



No quesito "consciente da realidade", um destaque foi o desfile da Imperatriz Leopoldinense, que fez uma homenagem aos 200 anos do Museu Nacional, localizado no Rio de Janeiro. O desfile buscava além de comemorar a data especial, dar visibilidade às dificuldades financeiras pelas quais o museu vinha passando nos últimos anos, causando graves problemas ao acervo, o próprio prédio histórico e diversas pesquisas que eram conduzidas no complexo do local.




Porém, meses depois o que vimos foi que o apelo não surtiu o efeito esperado e necessário visto que um incêndio acabou por destruir quase totalmente o prédio e uma infinidade de peças e pesquisas únicas, acabando com boa parte de nossa história e se tornando símbolo do cuidado que o país "não tem" com sua história e cultura. 


Estes foram apenas alguns enredos que chamaram a atenção para questões do nosso país muitas vezes deixadas de lado nos noticiários. Os desfiles das escolas de samba são palcos que trazem essas questões ano após ano. Está mais do que na hora de ouvirmos e valorizarmos mais esses espaços onde nós podemos nos encontrar e debater. Esse espetáculo é nosso, é nossa raíz. 
Em 2019 diversos enredos críticos estão sendo elaborados, muitos já possuem sambas de enredo definidos e tocam mais uma vez em feridas da nossa sociedade. 
Por hoje, relembramos alguns momentos de 2018.
Até a próxima!

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Como foi VERDE o nosso XINGU!

Dando continuidade às postagens dos destaques em termos de enredo para o carnaval 2017, chegamos ao tema que gerou o maior furor no período pré carnavalesco. O enredo da Imperatriz Leopoldinense 2017 chamado "Xingu, o clamor que vem da floresta", faz uma justa homenagem ao parque nacional do Xingu, no Mato Grosso
 Porém, ouve um movimento de contestação e crítica ao enredo, partindo das entidades que representam o agronegócio brasileiro, através de notas à imprensa, como a que segue: 

"A Associação Brasileira de Marketing Rural & Agronegócio (ABMRA), entidade de comunicação do Agronegócio, repudia a forma como a Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense apresentará o seu enredo “Xingu, o Clamor da Floresta” no Carnaval carioca deste ano. O samba-enredo exalta o povo Xingu mas critica o Agronegócio. Além disso, prevê a apresentação de uma ala chamada “Fazendeiros e Seus Agrotóxicos”. Essa iniciativa denigre a imagem do setor produtivo agropecuário, já que generaliza de forma depreciativa um segmento tão importante para a economia do país.

Pelo que se sabe, os agrotóxicos são amplamente utilizados sendo inclusive o Brasil um dos maiores consumidores mundiais desses insumos. Portanto, parece exagerada a "ofensa" sentida pela entidade e seus representados.  Talvez de uma forma torta a resistência dessas entidades tenha criado um efeito potencializador do enredo tal como mencionamos na postagem anterior sobre a arte de rua em São Paulo que teve na pintura de cinza uma valorização do enredo sobre a beleza das cores na cidade."

O certo é que o enredo da Imperatriz Leopoldinense é atualíssimo, necessário e realista. Chama ainda atenção o fato de que esse tema e esse mesmo Xingu já foi cantado em tom similar em 1983 no enredo da Mocidade independente de Padre Miguel no enredo "Como era verde o meu Xingu", cuja letra segue abaixo para análise: 

Emoldurado em poesias
Como era verde o meu Xingu
Sua fauna, que beleza
Onde encantava o Uirapuru

Palmeiras, carnaúbas seringais
Cerrados, florestas e matagais

Oh, sublime natureza
Abençoada pelo nosso criador
Quando o verde era mais verde
E o índio era o senhor

Kaiamurá, kalapalo e kajurú
Cantavam os deuses livres do verde Xingu

Oh Morena
Morada do sol e da lua
Oh morena
O Paraíso onde a vida continua

Quando o homem branco aqui chegou
Trazendo a cruel destruição
A felicidade sucumbiu
Em nome da civilização
Mas mãe natureza
Revoltada com a invasão
Os seus camaleões guerreiros
Com seus raios justiceiros
Os caraíbas expulsarão

Deixe nossa mata sempre verde

Deixe o nosso índio ter seu chão


Mais de 20 anos se passaram a a realidade parece a mesma, com tons mais cruéis na atualidade. O enredo da Imperatriz destaca alguns ítens fundamentais como podemos ver nos recortes da sinopse do seu enredo: 

"O índio estacionou no tempo e no espaço. O mesmo arco que faz hoje, seus antepassados faziam há mil anos. Se pararam nesse sentido, evoluíram quanto ao comportamento do homem dentro da sociedade. O índio em sua comunidade tem um lugar estável e tranquilo. É totalmente livre, sem precisar dar satisfações de seus atos a quem quer que seja. Toda a estabilidade social, toda a coesão, está assentada num mundo mítico. Que diferença enorme entre as duas humanidades! Uma tranquila, onde o homem é dono de todos os seus atos. Outra, uma sociedade em convulsão, onde é preciso um aparato, um sistema repressivo para poder manter a ordem e a paz".
(Orlando Villas-Bôas, sertanista)
O amanhã resiste em cada semente carregada pela força do destino, conduzida pelos pássaros que enfeitam nossos cocares, orientam nossas flechas e repovoam essa gigantesca floresta. Nós somos a floresta e deixaremos que o vento leve este canto aos homens de boa vontade. Eles precisam nos ouvir. Sim, guerreiro menino, porque quando não existir mais floresta, nossa gente será apenas lembrança e o que eles chamam de país, já não terá nenhuma esperança...
Também é justo lembrar de caraíbas que foram amigos. Eles se embrenharam pelo sertão para fazer do Brasil uma grande nação, criando picadas, abrindo estradas e campos de pouso para a aviação. Foram os primeiros a escrever nessas terrras a palavra integração. Eles ficaram encantados com o nosso jeito de ser.  Ficarão para sempre em nossos corações, protegidos por Tupã. Louvados sejam os irmãos Villas Boas, que nos ajudaram a encontrar a passagem para o amanhã!
As nações xinguanas se reúnem para celebrar o orgulho de ser índio e pedem licença para falar: enquanto o caraíba não recuperar o seu equilíbrio, a Natureza agonizará. E sem ela, sem a proteção da Mãe de todos nós, estaremos ameaçados - seja na terra dos civilizados, ou nos confins dos povos isolados. Já é tempo de o caraíba cultivar a humildade e aprender com o índio o que chama de sustentabilidade. Precisa esquecer os lucros, o progresso, o consumo e o desenvolvimento; zelar pelos sentimentos e os compromissos com a Humanidade, retirando da Natureza apenas o que basta para o seu sustento."
Para a realização do enredo houve uma preocupação grande na hora de tratar do tema, o que levou a escola a buscar o apoio especializado, na questão técnica e científica, como fica claro nas palavras do presidente do Museu do Índio: 

Ainda com relação à elaboração de enredos, deve ficar muito claro aos que não conhecem o processo de criação de elaboração dos mesmos, que há uma grande pesquisa e metodologia envolvida na criação e na defesa de um enredo na avenida. Isso parece ter sido ignorado pelos críticos do enredo, que estes sim, pouco conseguem defender no que diz respeito às suas atitudes. 
A seguir as palavras do Professor Carlos Fausto, da UFRJ: 

A importância, seriedade e a qualidade do enredo fica muito evidente nas palavras dos especialistas sobre o tema. A seguir podemos curtir uma versão do samba, com a particiapação especial de um dos maiores intérpretes do festival de Parintins, David Assayag, famoso pela interpretação da música "Vermelho", ao lado da cantora Fafá de Belém.  

Abaixo, acompanhem a letra do samba, muito forte e que promete muita emoção e garra dos componentes da escola na avenida: 

BRILHOU… A COROA NA LUZ DO LUAR!
NOS TRONCOS A ETERNIDADE… A REZA E A MAGIA DO PAJÉ!
NA ALDEIA COM FLAUTAS E MARACÁS
KUARUP É FESTA, LOUVOR EM RITUAIS
NA FLORESTA… HARMONIA, A VIDA A BROTAR
SINFONIA DE CORES E CANTOS NO AR
O PARAÍSO FEZ AQUI O SEU LUGAR
JARDIM SAGRADO O CARAÍBA DESCOBRIU
SANGRA O CORAÇÃO DO MEU BRASIL
O BELO MONSTRO ROUBA AS TERRAS DOS SEUS FILHOS
DEVORA AS MATAS E SECA OS RIOS
TANTA RIQUEZA QUE A COBIÇA DESTRUIU

SOU O FILHO ESQUECIDO DO MUNDO
MINHA COR É VERMELHA DE DOR
O MEU CANTO É BRAVO E FORTE
MAS É HINO DE PAZ E AMOR
SOU GUERREIRO IMORTAL DERRADEIRO
DESTE CHÃO O SENHOR VERDADEIRO
SEMENTE EU SOU A PRIMEIRA
DA PURA ALMA BRASILEIRA

JAMAIS SE CURVAR, LUTAR E APRENDER
ESCUTA MENINO, RAONI ENSINOU
LIBERDADE É O NOSSO DESTINO
MEMÓRIA SAGRADA, RAZÃO DE VIVER
ANDAR ONDE NINGÚEM ANDOU
CHEGAR AONDE NINGUÉM CHEGOU
LEMBRAR A CORAGEM E O AMOR DOS IRMÃOS
E OUTROS HERÓIS GUARDIÕES
AVENTURAS DE FÉ E PAIXÃO
O SONHO DE INTEGRAR UMA NAÇÃO
KARARAÔ… KARARAÔ… O ÍNDIO LUTA PELA SUA TERRA
DA IMPERATRIZ VEM O SEU GRITO DE GUERRA!

SALVE O VERDE DO XINGU… A ESPERANÇA
A SEMENTE DO AMANHÃ… HERANÇA
O CLAMOR DA NATUREZA
A NOSSA VOZ VAI ECOAR… PRESERVAR!

Aos leitores do blog, fica a dica para acompanharem 
mais um grande enredo de 2017.

Para finalizar a postagem, quero valorizar o profissional por trás do desenvolvimento de um enredo de escolas de samba. Para isso, ouçam a manifestação do carnavalesco Cahê Rodrigues sobre o tema e suas críticas: